sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Por que estudar gramática é tão chato?

Dou aulas em uma instituição particular de ensino superior e sempre me surpreendo com a resistência dos alunos às aulas de língua portuguesa, em especial aos aspectos gramaticais.

Há uma extensa polêmica em relação ao assunto entre linguistas e professores de gramáticas, mas não vou comentá-la aqui. Quero apenas deixar registrado o meu “achismo”.

As aulas de gramática na maioria das instituições de ensino fundamental e médio, pelo que dizem os alunos, ainda são dadas, com base no modelo: apresentação da terminologia e definição e exercícios com frases curtas e lacunas a serem preenchidas.

Eu acredito, com base no aprendizado de 10 anos de docência, que entrar em sala e escrever na lousa, por exemplo, “advérbios” é meio caminho andado para alcançar o total desinteresse dos alunos. A palavra advérbio nada significa para um aluno de qualquer série escolar atualmente. Isso porque a palavra vem do latim e data do século XVI.

Se, por outro lado, o professor (ou professora) iniciasse a mesma aula com uma frase como Carolina canta lindamente e perguntasse ao aluno qual a função do termo lindamente na oração, o resultado seria muito diferente. Os alunos certamente seriam capazes de identificar que o termo modifica o sentido do verbo cantar (afinal afirmar que Carolina canta ou que Carolina canta lindamente é muito diferente – principalmente quando temos de ouvi-la cantar...). A partir daí o professor poderia associar a função à nomenclatura e o tal advérbio faria muito mais sentido para os alunos, porque eles entenderiam, antes da definição, a função desta classe de palavras.

Um outro ganho é que, ao entender a função das diferentes regras gramaticais, ele não precisaria mais memorizá-las (salvo as regras de ortografia e acentuação, que requerem conhecimentos em outras línguas e em áreas específicas da Linguística para não precisarem da memorização).

Quanto aos exercícios de lacunas, até acredito que eles sirvam para o aluno fixar o tópico apresentado em aula. Porém, trabalhar os aspectos gramaticais apenas com esse tipo de recurso pode ser improdutivo, pois estaremos treinando ao aluno para não só responder a determinado enunciado de exercícios, mas também para conseguir identificar um equívoco apenas quando houver uma marca gráfica, uma lacuna.

A realidade é que eles lidam com dificuldades de adequação às regras gramaticais diariamente na fala e na escrita. Se os treinarmos apenas a preencher lacunas, como conseguirão identificar um erro quando estiverem redigindo seus próprios textos?

O problema, ou a “chatice”, da gramática está no fato de ela ser constantemente apresentada como algo enigmático, muito distante da realidade dos alunos. É claro que por ter sido formalizada no século XVI, sempre será distante, mas é importante lembrar que a gramática corresponde a um conjunto de regras a serem seguidas em determinadas situações de comunicação e que boa parte dessas regras já é utilizada pelos alunos, sem que percebam, simplesmente por eles serem falantes nativos da língua portuguesa.

Precisamos, como professores de língua portuguesa, deixar de (re)afirmar que os alunos “nada sabem de português” ou que “não se interessam por nada” e aproximá-los do conteúdo de nossas aulas, ressaltando o que eles já sabem e/ou são perfeitamente capazes de entender.

Deixar de ensinar gramática é algo que não poderemos fazer num futuro próximo (afinal, temos uma normal culta a ensinar). Por que não tornar a experiência menos enfadonha para os alunos e para nós mesmos?

Debora Alves (Diretora Executiva da Parole – consultoria em Língua Portuguesa e coordenadora do curso Como Fazer a Redação do ENEM)

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